9. O MPB-Shell 81

por Nestor de Hollanda Cavalcanti

    Finalmente, veio o dia do festival. Para a apresentação do Coral da Cultura Inglesa no Teatro Fênix, onde aconteceria a seleção das músicas para a final, pensei em pedir ao Hamilton Vaz Pereira, parceiro na canção, que um dos integrantes do "Asdrubal trouxe o trombone" - afamado grupo teatral que ele dirigia, tocasse uma tuba durante a apresentação. Não que tocasse, exatamente, mas que fingisse tocá-la, enquanto o coral cantasse. Teria de ser uma daquelas tubas em Si bemol ou Mi bemol, utilizadas nas bandas marciais. Pensei, é claro, na Regina Casé e sua peculiar cara-de-pau, pois conhecia a Regina desde a sua adolescência. Então, liguei para ele e apresentei a idéia. O Hamilton, claro, topou na hora.
    E, assim, numa sexta-feira à noite, lá estava o coral com Regina Casé na tuba, apresentando diante das câmeras da Rede Globo de Televisão, Cobras e Lagartos.
    Mas, as coisas não foram fáceis, não. Antes da apresentação do coral, o produtor Alexandre Agra veio nos dizer que estava muito preocupado. A Ariola não mandara nenhum dos seus diretores para o teatro e todos os outros concorrentes estavam com seus produtores e diretores de gravadoras presentes. Nós estávamos sozinhos e ele, Alexandre, nem mesmo era funcionário da Ariola.
    - Tudo bem, dissemos, já chegamos até aqui, então vamos apresentar a música da melhor maneira possível.
    A platéia do Teatro Fenix era de uma frieza assustadora. E, além disso, ainda havia o fato de que o programa estava sendo transmitido ao vivo. A cada apresentação das concorrentes, os contra-regras corriam e mudavam o palco rapidamente para o próximo candidato ao Maracanãzinho, após o corte da imagem do palco para os apresentadores do programa. Então acontecia o seguinte: uma música era apresentada, vinham os parcos aplausos, o(s) intérprete(s) agradeciam e rapidamente saíam do palco, enquanto os contra-regras e os apresentadores faziam seus papéis. O público, obedientemente, parava de aplaudir e continuava aquele frio de Serra das Araras em julho.
    A cada três músicas, seguia-se o comercial. À frente da platéia, havia um corpo de jurados que ia votando, escolhendo as finalistas. Era esse o quadro geral.
    No penúltimo bloco, na terceira música, última do bloco, entrou o Coral da Cultura Inglesa. Era uma multidão de gente jovem, todos vestidos de malha preta e descalços, com as bocas pintadas de vermelho, com um regente que em nada se distinguia do resto do grupo, acompanhado da Regina Casé com uma tuba, enorme para ela, vestindo um modelito "Asdrubal trouxe o trombone-baixíssimo". A platéia se manifestou ao ver a entrada das figuras. Houve a apresentação da música. Marcos e o coro a mil por hora. A Regina - uma figura fantástica!, compenetradíssima, "tocando" a tuba. O público entrou em delírio total. Saíram da frieza em que se encontravam, da Serra para a praia, para uma manifestação de entusiasmo alucinante. Acabou a música. Aplausos e aclamações. Tudo muito rápido, porque houve o corte para os apresentadores e o comercial. Mas, a platéia acendeu e, mesmo no intervalo, se manifestava ardentemente. Assisti a tudo por detrás da platéia. Depois, fui de encontro ao coral. E lá vi o Agra que, entusiasmadíssimo, nos disse aos berros:
    - Estamos na final! Estamos na final!
    - Já saiu o resultado?!
    - A decisão do juri foi rápida...
    Ficamos mais que alegres, pois, apesar de não termos um diretor da gravadora presente, nos classificamos, com nossos próprios esforços, para a final. Agora, vinha o pior: o Maracanãzinho. Mas, já tínhamos a certeza de ter feito a nossa parte.
    No final do programa os apresentadores anunciaram:
    - O júri selecionou as seguintes músicas: ... e Cobras e Lagartos.
    Nós, naturalmente, completamente surpresos:
    - Oh! - exclamamos.
    Aplausos e aclamações por parte do público. Afinal, o júri foi justo...

    Rio, 29 de novembro de 2005

    (in: Às voltas com o canto coral. Texto inédito, Rio de Janeiro, 2003-2005)

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