4. Primeiros arranjos
por Nestor de Hollanda Cavalcanti
Além dos "palpites" nos ensaios do coral, conforme uma das atribuições que me era destinada, fazia os roteiros musicais dos espetáculos. E fiz, também, uns três arranjos para o coral; músicas dos Beatles, uma velha predileção nossa (minha e do Marcos, e de quase toda a humanidade...). Os arranjos das músicas estava em inglês, claro, porque uma das atribuições do Coral da Cultura Inglesa era o de cantar músicas no idioma bretão, pelo menos na maior parte do tempo em uma apresentação (coisa que o coro não cumpria...). Aliás, devo registrar aqui que foi com o Coral da Cultura Inglesa, a pedido do Marcos Leite, que comecei a fazer arranjos para coro.
Um dos arranjos foi para coro feminino (Here, there and everywhere) e outro para coro masculino (Yes it is). A intenção era dividir o coro em dois, para dar mais cor às apresentações. Foi nesta época que nasceu a idéia dos grupos menores no coral, idéia mais tarde aproveitada na "Garganta Profunda". Fiz também um para o todo o coro, Hello Goodbye, que não foi realizado. Só o seria, quatro anos depois pela " Orquestra de Vozes - A Garganta Profunda" que, também o gravou em seu primeiro disco.
Bem, dia tal, hora tal, o Marcos resolveu ensaiar os arranjos. Homens de um lado, numa sala pequena e mulheres de outro, no salão. Ficaram um bom tempo ensaiando e o Marcos ajudando de um lado e de outro. Os homens liam com mais facilidade, mas as mulheres nem tanto. Em conseqüência, no final dos ensaios, somente o coro masculino apresentou o seu arranjo, interpretando-o para uma platéia das cantoras sentadas no chão e em algumas cadeiras espalhadas pelo salão. E elas assistiram admiradas.
Neste arranjo, o coro é aberto em dois coros, com três vozes cada uma, em forma de arco e com um tenor muito agudo no meio, fazendo umas intervenções, nem sempre muito discretas, em momentos determinados. A linha melódica, harmonizada em bloco, é apresentada ora num grupo, ora no outro, sempre com um acompanhamento em sons onomatopaicos rítmico-harmônico do grupo oposto, criando uma sensação permanente de estereofonia. Entenderam? Vou explicar de novo...
Quando os "hombres" começaram a cantar, foi uma gritaria só. O coro feminino se portava como se estivessem em plena época da beatlemania. Enquanto isso, o coro masculino estava composto múltiplos Johns, Paul, Georges e Ringos, jogando, sem medida, um belo charme para a platéia alucinada. Havia, ainda, algumas pessoas presentes, amigos do coral, que também não mantiveram a sua compostura, como seria prudente. Enfim, uma festa!
Infelizmente, no entanto, por causa do naipe feminino, que não conseguiu realizar - em hipótese alguma - o arranjo que lhe era destinado, para não se criar polêmicas entre os cantores e as cantoras, com as naturais ciumeiras, o coro masculino não chegou a apresentar Yes it is. Foi uma pena.
O arranjo acabou sendo apresentado posteriormente pelo Coral do Estado de São Paulo, também regido pelo Marcos Leite.
Em tempo: em defesa do coro feminino da Cultura Inglesa, devo acrescentar que o arranjo para elas era muito difícil; difícil. não, impraticável. Se o acharem por aí, joguem fora, por favor...
Rio, 25 de novembro de 2005
(in: Às voltas com o canto coral. Texto inédito, Rio de Janeiro, 2003-2005)
Volta (Índice) | Textos | Principal
|