3. Participando dos ensaios do Coral da Cultura

por Nestor de Hollanda Cavalcanti

    Por causa de Cobras e Lagartos, passei a ir aos ensaios do Coral na Cultura Inglesa, na Cultura Inglesa em Copacabana. Era num salão enorme, no último andar do prédio, com um piano do tipo armário num canto e algumas cadeiras espalhadas "ad libitum", ou seja, à: vontade. Eu ficava lá sentado, fumando (na época, um fumante "invertebrado"), não muito "ad libitum", calado, enquanto o Marcos ensaiava o coro. É interessante observar que ele dirigia o coro de um modo muito livre, muito especial. Nada de autoritarismo, mas com simplicidade e espontaneidade. Por ele não ter tido uma experiência anterior com o canto coral e, por isto, estar livre dos ranços corais, acho eu, podia-se observar muita criatividade durante os ensaios. Os coralistas - estes sim! - ficavam bem à vontade para cantar e brincar. Marcos lhes dava bastante liberdade (Às vezes, liberdade até demais). Sem os vícios do tradicional canto coral, não passava para o coro as "neuroses" pessoais, como acontece com alguns (não todos, claro...) coros espalhados por este e outros brasis sempre varonis. E o coro era alegre e espontâneo. Assisti a grandes e curiosos momentos nos ensaios. Lembro-me, por exemplo, muito bem de um dia em que o Marcos se dirigiu a um pequeno banheiro que ficava atrás, num corredor à direita da sala. Ele abriu a porta, deu uma descarga na privada e ordenou que o coro imitasse o som que estava escutando. Imediatamente, o coro reproduziu o som da descarga. Fora este dia, por várias vezes tive a impressão de estar em plena floresta amazônica em Copacabana (justificando os argumentos de alguns filmes estrangeiros...), quando o coro imitava os sons das florestas e seus habitantes (Conforme todos aprendemos nos filmes estrangeiros...). É incrível o que a voz humana pode fazer, principalmente quando trabalhando em grupo, como num coro.
    Nos intervalos dos ensaios, a gente conversava. Ele me perguntava o que havia achado do ensaio da música tal e eu, com certo cuidado, dava os meus palpites. Às vezes palpitava nos arranjos - na distribuição das vozes e exploração dos timbres vocais; outras, no posicionamento dos naipes e do próprio coro no palco e assim por diante. Isto passou a ficar cada vez mais freqüente. Um dia ele me veio com essa:
    - Por que você não entra para o coral?
    - Mas, eu não canto - comecei logo a argumentar - Sou algo entre o barítono médio e o tenor grave, um registro horrível e desafinado.
    - Não para cantar, porque você é ruim mesmo. Mas, acontece que os seus palpites são muito legais. Você poderia ficar como uma espécie de assessor, um diretor musical. Somente dando os seus palpites, ajudando na criação de idéias, roteiro e fazer - quem sabe - uns arranjos... de graça, é claro!
    - É claro... Bem, se é assim. Se não tenho de cantar ou reger, tudo bem.
    - Vamos fazer uma votação com o coral para sacramentar a sua entrada.
    - Eles vão me aceitar?
    - É claro. O coral adora você.
    Quem conheceu o Marcos pessoalmente, conheceu também os seus exageros.
    De qualquer forma, determinado dia, na casa de um dos coralistas, em Laranjeiras, foi feita a votação coral. Por incrível que possa parecer (ou por faltar um adversário), fui eleito - ou nomeado - por unanimidade e, assim, foi criado no Coral da Cultura Inglesa o cargo de diretor musical, isto é, um palpiteiro-mor, sem rendimento, mas com muito prestígio!
    Acabei acreditando que o coral me adorava mesmo...

    Rio, 25 de novembro de 2005

    (in: Às voltas com o canto coral. Texto inédito, Rio de Janeiro, 2003-2005)

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