1. Marcos Leite, Coral da Cultura e Cobras e Lagartos

por Nestor de Hollanda Cavalcanti

    Foi em outubro de 1980, durante o VII Concurso de Corais do Rio de Janeiro, que assisti à apresentação do Coral da Cultura Inglesa (depois Cobra Coral), regido pelo Marcos Leite. Cantores jovens, muito jovens (o mais velho era o Marcos, então com 28 anos, o que poderia ser considerado como "idoso" diante do resto do coro...), vestidos de malha preta e descalços, se apresentavam de uma maneira totalmente descontraída, exatamente como havia sonhado para a minha peça de confronto (Peça de confronto para coro misto juvenil - descontraído). E, no final do evento, eles acabariam ganhando um prêmio especial pela "renovação do canto coral".
    Durante a apresentação do grupo, pensei logo comigo; "Este coral é capaz de fazer qualquer coisa". Então, no intervalo, fui falar com o Marcos. Nos cumprimentamos alegremente, pois fazia uns cinco anos que não nos víamos. Sim, porque conheci o Marcos em 1975 em seu apartamento na rua Uruguai na Tijuca. Marcos estava, na época, casado com Eliane Salek, e esta, grávida do Fabiano. Quem nos apresentou foi um amigo comum, o compositor Antonio Jardim. Nós dois, mais José Schiller - também compositor e produtor de TV, costumávamos ir à casa dos Salek-Leite para trocar idéias sobre música. Isto aconteceu por um bom tempo. Depois, tivemos alguns contratempos, que não interessam aqui, e acabamos nos afastando. Só voltei a encontrá-lo na Sala Cecília Meireles, já sem a Eliane, mas com Paula Mófreita (atualmente, Paula Novaes) - atriz, contralto, cantora do coral e designer -, parceira do Marcos em Vidurbana: A Família, peça que proporcionara o prêmio, citado acima,ao grupo.
    Falei a ele que tinha gostado muito do coral. Perguntei-lhe como é que se tornara um regente coral, uma vez que, conforme sabia, ele não tinha grande experiência no assunto. Marcos foi franco:
    - Precisava comer e sustentar a família. Um dia, procurei a Cultura Inglesa e propus a formação de um coral de funcionários e alunos. Eles toparam e comecei o coro com alguns alunos e funcionários, e vários amigos. Isto foi há cinco anos, (Obs.: entre 1975 e 1976). Parabenizei-o pelo trabalho e lhe disse que lamentava que minha peça não tivesse sido apresentada pelo coral dele, uma vez que eles estavam concorrendo numa categoria diferente. Ele lamentou da mesma forma. Confessou que os cantores do coral pensavam a mesma coisa: todos preferiam ter cantado a minha peça à peça de confronto da categoria que estavam, "coro misto".
    - Vou escrever uma obra para o grupo - falei decidido e entusiasmado.
    Ele pareceu ficar muito contente com a idéia. Nos despedimos e fui à luta.
    Nos dias que se seguiram, peguei o quarto ato da peça Cobras e Lagartos, uma cantata ou ópera-monólogo de câmara (para barítono, clarineta, violão e piano), com textos meus, do Hamilton Vaz Pereira e Brecht, e fiz uma adaptação para coro. Liguei para o Marcos e pedi-lhe que viesse à minha casa. Entreguei-lhe a partitura. Ele olhou, pareceu entusiasmado e disse que iria realizá-la. Depois, conversamos sobre vários assuntos e ele foi embora, levando consigo a partitura.
    Não acreditei muito que ele fosse realizá-la, pois, quem compõe sabe o quanto é difícil apresentar uma obra por este Brasil varonil, mesmo quando ela é encomendada. Mas, quem sabe...

    Rio, 24 de novembro de 2005

    (in: Às voltas com o canto coral. Texto inédito, Rio de Janeiro, 2003-2005)

    Volta (Índice) | Textos | Principal